terça-feira, 29 de julho de 2008

"Em verdade, quanto às coisas do espírito, de nenhum modo jamais saiu de mim algo que me satisfizesse; e a aprovação dos outros não me basta. Tenho a decisão delicada e difícil e, principalmente no que diz respeito, sinto-me titubear e dobrar de fraqueza. . . Nada tenho em mim, que satisfaça a minha opinião. Tenho a vista boa e precisa, mas ao trabalho se turba. O mesmo me acontece com a poesia; amo-a infinitamente e conheço bastante as obras dos outros, mas sou como uma criança quando lhe quero por a mão, e isso me irrita. Pode-se ser néscio em tudo, menos em poesia.

Tenho sempre na alma a idéia de uma forma melhor do que a executada, mas não consigo apreender nem explorar; de resto, essa idéia mesma é apenas medíocre. Verifico assim que as produções dessas ricas e grandes almas da antiguidade se encontram muito além do extremo limite de minha imaginação e de meu desejo. Seus escritos não somente me satisfazem e me enchem as medidas, mas ainda me assombram e me deixam transido de admiração. Julgo a sua beleza; percebo-a, senão até em seus menores detalhes, pelo menos a fundo, quanto me é permitido. O que quer que empreenda devo um sacrifício às Graças, como diz Plutarco, para merecer-lhe os favôres. . .

... Elas (as Graças) me abandonam; tudo em mim é grosseiro, carece de polidez e de beleza; e minha maneira nada acrescenta ao assunto. Eis por que preciso tê-lo forte, atraente e naturalmente brilhante.

Ademais, minha linguagem nada tem fácil e fluída; é áspera, de formas livres e desordenadas; e assim me apraz, não por opinião, mas por temperamento. Bem sinto, entretanto, que por vêzes me deixo levar a certo excesso e que, a fôrça de querar evitar o artifício e a afetação, caio no defeito oposto.
"

Michel de MONTAIGNEDa presunção